terça-feira, janeiro 19

E já não vos chateio mais com esta história da Furia Divina... Mas este texto é a cara chapada do livro!

Exclusivo i/The New York Times

Odiava o pai: "É a última vez que vais falar de mim". Voltou quatro anos depois para fazer explodir um avião


Muito antes de Umar Farouk Abdulmutallab desaparecer nas escarpadas montanhas do Iémen depois de um agourento adeus ao seu pai - "esta é a última vez que vais ouvir falar de mim", segundo relatos de responsáveis nigerianos de topo - eram já visíveis as tensões entre estes dois homens religiosos.

Embora a carreira do pai na banca tenha trazido grande riqueza, suficiente para financiar uma mesquita de bairro em nome da família e contratar um imã para ter em casa, os seus primos dizem que o jovem Abdulmutallab condenava abertamente a profissão como imoral por cobrar juros e exigiu ao pai que deixasse a banca.

"Ele estudava no estrangeiro e sempre que vinha a casa de férias dizia ao pai que tinha de deixar de ser banqueiro porque isso não era islâmico", recorda um dos seus primos sob condição de anonimato, porque a família proibiu o contacto com a imprensa.

Por detrás do percurso de Abdulmutallab, de estudante dotado a suspeito de terrorismo, acusado de tentar despenhar um avião destinado a Detroit a 25 de Dezembro último com explosivos que coseu à roupa interior, está a luta entre pai e filho, entre devoção e radicalismo, entre um investimento nesta vida e o desejo, aparentemente incoerente, de um jovem pela próxima.

É uma luta no interior do próprio Islão, não só no Médio Oriente ou em centros de ideologia jihadista como Londres, mas também aqui em Kaduna, a cidade do norte da Nigéria onde Abdulmutallab cresceu e regressava nas férias.

Estamos num lugar onde a linha que divide devoção e extremismo é muitas vezes impossível de distinguir, onde a polícia islâmica assegura a obediência aos códigos morais, onde muita gente morreu por causa da violência religiosa instigada pelo concurso de Miss Mundo de 2002 e onde até uma família tão ocidentalizada como a de Abdulmutallab manteve contactos com clérigos locais para apoiar ideais anti-ocidentais e anti--israelitas.

"A cidade de Kaduna tem uma longa história de extremismo religioso e intolerância", diz um vizinho, Shehu Sani. "Há 30 anos que existe aqui violência. Pessoas como Farouk cresceram nesta atmosfera. Não acho que todas as suas ideias radicais tenham vindo do Iémen."

Embora seja raro uma criança privilegiada como Abdulmutallab abraçar o extremismo, não é uma situação inédita, afirmam os analistas, trazendo à memória alguns casos infames.

John Walker Lindh, o norte-americano capturado quando combatia pelos talibãs, era filho de um advogado e cresceu nos calmos e endinheirados subúrbios de Marin County, Califórnia. O pai de Osama bin Laden era um empreiteiro incrivelmente rico da Arábia Saudita, enquanto a segunda figura da al-Qaeda, Ayman al-Zawahri, é um médico que vem de uma família de grande prestígio no Egipto. E tal como Zawahri, afirmam alguns analistas, Abdulmutallab partilhava outra característica de alguns jihadistas famosos.

"Ele é solitário e isolado", diz Hani Nesira, director na Al Mesbar Studies and Research Center, que se especializou em movimentos islâmicos. "Estes indivíduos são habitualmente diferentes do meio social que os envolve e são incapazes de se encontrarem a eles próprios." Costumam vir de famílias que podem até monitorizar a sua educação, mas que ignoram "o seu temperamento e as suas inclinações psicológicas e intelectuais", acrescenta Nesira, permitindo que os solitários e deprimidos procurem o sentido de pertença numa "utopia religiosa", por vezes radical.

O verdadeiro Islão Este tipo de distanciamento dos outros e o enfoque único no Islão foi um denominador comum na vida de Abdulmutallab, segundo membros da família, amigos e colegas de escola. Era já evidente antes de começar a enviar estridentes mensagens de texto ao pai - a dizer que tinha encontrado "o verdadeiro Islão" e que a sua família "devia esquecer que ele existia", relata o primo - que alarmaram o pai a ponto de este avisar as autoridades americanas, em Novembro, que Abdulmutallab era uma ameaça à segurança.

"Ele é completamente abstémio", diz o tio, por casamento, de Abdulmutallab, Mahmoon Baba-Ahmed, que dirige uma estação de televisão em Kaduna. "Ele não faz o que os seus pares costumavam fazer. Está sempre dentro de casa, a ler o Corão."

Enquanto os outros jovens iam a festas, Abdulmutallab passava as suas visitas a casa do outro lado da rua, na mesquita financiada pelo pai, Alhaji Umaru Mutallab, usando o nome do avô, sempre na primeira fila. A sua devoção era tão declarada que os jovens de Kaduna gozavam-no por causa disso, conta o seu vizinho.

Serviu também para preparar o terreno para o conflito com a sua própria família, por muito devota que esta fosse. Ao longo da arborizada Ahman Pategi Road, um oásis de palmeiras e mangueiras nesta cidade cinzenta, os seguranças do bairro abastado de Unguwan Sarki conhecem bem a história. Uma noite, o jovem Abdulmutallab levou um prato com os restos da mesa de jantar da família - o prato do pai - para dar a um dos guardas. A censura da mãe por causa desta violação da etiqueta foi suficientemente audível para chegar aos ouvidos dos empregados domésticos; a resposta calma do jovem foi citar um verso do Corão sobre os deveres para os menos afortunados. "Ele não era muito chegado ao pai", revela Aminu Baba-Ahmed, um primo por casamento. A má vontade fervera em lume brando depois de o jovem, aos 21 anos, ter expresso a vontade de casar-se, recorda o primo, mas os seus pais recusaram, alegando que ele ainda não tinha um mestrado.

Abdulmutallab estava cada vez mais isolado, diz quem o conheceu em Kaduna. O jovem que, em adolescente, jogava basquetebol e PlayStation com o primo retirara-se para a sua fé.

Em posts na internet, em 2005, quando Abdulmutallab estudava num colégio interno inglês no vizinho Togo, reflectiu sobre o seu estado de isolamento. "Sinto-me deprimido e só", escreveu. "Não sei o que fazer. E depois começo a pensar que esta solidão conduz-me a outros problemas." Em 2007, quando Abdulmutallab estudava engenharia mecânica na University College de Londres, a transformação era já profunda.

"Ele tinha mudado. Era só 'Islão, Islão, Islão'. Dizia que todos tínhamos de tentar mudar e ser mais islâmicos", recorda Aminu Baba-Ahmed. Mesmo nos meses mais recentes, diz, o rapaz divertido que conhecera censurava-o por ele ir a festas. "Fiquei realmente surpreendido", diz Baba-Ahmed.

Racismo ganha raízes O radicalismo político ganhou raízes arreigadas. Em Londres, de acordo com um amigo local, Abdulmutallab vivia sozinho na propriedade da família, no número dois da Mansfield Street, um edifício imponente de pilares brancos num bairro de classe alta perto de Regent's Park, onde abundam os Mercedes e os Bentley. Os jornais, os vizinhos e alguns membros da família na Nigéria acusam hoje a falta de supervisão - um sintoma daquilo a que chamam a negligência existente na elite nigeriana - de facilitar o deslizar de Abdulmutallab para o terrorismo.

A sua família pode ter assumido que a religiosidade de Abdulmutallab impediria a libertinagem, e assim foi, pelo menos em termos convencionais. Mas ele seguiu um rumo bastante diferente, assistindo a orações em mesquitas de Londres que estão sob vigilância dos serviços de segurança britânicos, por causa das suas ligações radicais. Mesmo assim, embora fosse visto como estando a "aproximar-se" de conhecidos extremistas e a surgir "na periferia de outras investigações" a suspeitos radicais, não era considerado uma ameaça terrorista, segundo um funcionário dos serviços de contra-inteligência britânicos.

Para a palestra inaugural da "Semana da Guerra ao Terrorismo" que Abdulmutallab ajudou a organizar, como presidente da associação islâmica da universidade de 2006 a 2007, o grupo alugou uma grande sala de conferências. A sala estava cheia, diz Fabian De Fabiani, que era estudante e assistiu à conferência junto com 150 pessoas. Alguns membros da associação vestiram-se com fatos de macaco laranjas parecidos com os dos detidos de Guantánamo; ficaram à porta a distribuir panfletos.

Abdulmutallab estava sentado "onde o conferencista normalmente se senta", diz De Fabiani, "muito próximo" de Moazzam Begg, um antigo detido de Guantánamo que à data estava em contacto com Anwar al-Awlaki, o pregador radical que Abdulmutallab provavelmente conheceu no Iémen antes de partir para o seu falhado atentado bombista. Numa entrevista, Begg reconheceu ter assistido ao evento, mas não se lembrava de ter conhecido Abdulmutallab.

"Quando nos sentámos, passaram um vídeo que abria com imagens das Twin Towers depois de serem atingidas, a seguir passavam imagens de mujaedines a combater, disparando morteiros no Afeganistão", afirma De Fabiani.

Existe uma grande diferença, é claro, entre devoção religiosa e radicalismo político e violência e, embora "muita, muita gente inicie a jornada" em direcção ao extremismo islâmico, só "um pequeno número" se empenha em derramar sangue, referiu o funcionário da contra-inteligência britânica.

Sem protecção Apesar de rica e protegida, a família de Abdulmutallab não estava isolada do fervor islâmico que levou aos surtos de violência em Kaduna. Em 2002, jovens muçulmanos provocaram distúrbios e entraram em confrontos com cristãos após um artigo de jornal sugerir que o profeta Maomé poderia ficar contente se escolhesse a sua mulher entre as candidatas a Miss Mundo, que iriam competir pelo título na capital, Abuja: 220 pessoas foram mortas e multidões incendiaram 16 igrejas, nove mesquitas, 11 hotéis e 189 casas, de acordo com um grupo local de direitos cívicos liderado pelo vizinho de Abdulmutallab, Sani.

Apesar de a violência não ter atingido a serenidade do complexo familiar, as posições radicais que se introduziram na sociedade poderão tê-lo feito. A família de Abdulmutallab frequenta uma das maiores mesquitas de Kaduna, a mesquita Sultan Bello, para as orações e o sermão de sexta-feira, diz o imã. Os sermões anti-ocidente e anti-Israel são comuns entre as suas paredes, explica Nasir Abbas, defensor local dos direitos humanos que frequenta a mesquita. "Ouve-se falar daquilo que Israel tem feito à Palestina, ouve-se falar disso e também das contribuições que os americanos dão aos israelitas",- diz Abbas. Aliás, "em todas as mesquitas" de Kaduna se pode ouvir sermões anti-ocidente.

Evidentemente, o pai de Abdulmutallab não partilha dessas visões, tendo em conta que foi o primeiro a denunciar o perigo que o seu filho representava. Porém, até Mutallab se encontra com pessoas como o Imã Ibrahim Adam, que afirma ter estado na casa da família e com o pai de Abdulmutallab em "encontros religiosos" e em reuniões para a criação de um banco islâmico, do qual Mutallab é presidente do conselho de administração, de acordo com o site do banco. "Deviam ter sido os muçulmanos iemenitas a atacar a América e não um nigeriano", diz o imã, embora acrescente que pessoalmente não apoia o ataque.

O que levou, exactamente, o pai de Abdulmutallab a denunciar o seu filho é fonte de debate dentro da família. Ao contar aos americanos, "agiu de acordo com os ditames da sua religião", afirma o tio, Baba-Ahmed. Mais tarde, o pai encarou a detenção do seu filho da mesma forma. "Resumiu-a num verso do Corão", relata Baba-Ahmed. "'Isto é um teste: a tua prole pode ser fonte de felicidade ou de tristeza.'"

Mas o primo, que pede para não ser identificado, tem uma explicação mais matizada para a denúncia de Mutallab: "É uma pessoa que tem investimentos no mundo ocidental desde antes de o rapaz nascer". "Tem uma casa de quatro milhões de libras (4,5 milhões de euros) em Londres. E agora o rapaz está pôr tudo isso em perigo."

Enquanto estudava no Dubai, o ano passado, Abdulmutallab não parecia demasiado agitado, tinha um aproveitamento acima da média nas aulas e lia calmamente o Corão todos os dias no autocarro, desde a residência de estudantes até ao campus universitário, de acordo com um colega de turma e com o director da escola. Secretamente, no entanto, parece que começava a irritar-se com o secularismo à sua volta, tendo discutido com o pai sobre o curso de Gestão que frequentava antes de, abruptamente, desistir.

"O pai queria que ele continuasse os estudos", afirma um funcionário árabe com fortes ligações aos serviços secretos no Golfo Pérsico. "Ele não queria. Não era aquele o mundo árabe para ele. Não era aquele o mundo muçulmano." Foi aí, explica o funcionário, que Abdulmutallab se zangou "e foi para o Iémen sem a autorização do pai". Abdulmutallab entrou no Iémen a 4 de Agosto com um visto para prosseguir os estudos no Instituto San'a para a Língua Árabe, onde estudou a língua em 2004 e 2005. Só que desta vez a sua cabeça estava noutro sítio e ele desculpava-se por faltar às aulas.

Afirmou que tinha uma infecção na garganta e "estava a pensar ir ao Dubai para fazer exames e nós dissemos-lhe que havia hospitais aqui", adianta um colega de turma americano. "Ele chegava a abandonar as aulas a meio para ir rezar na mesquita."

Os investigadores estão a tentar refazer os seus movimentos, analisando como conseguiu desaparecer de vista depois de ter sido levado ao aeroporto a 21 de Setembro com um visto de saída. As autoridades iemenitas dizem que ele foi para as remotas e acidentadas montanhas da província de Shabwa, onde se encontrou com "elementos da al-Qaeda", antes de partir a 4 de Dezembro - poucas semanas antes da sua jornada fatídica para Detroit.

Depois do desaparecimento, o pai de Abdulmutallab tentou desesperadamente fazê-lo regressar. Recrutou um dos seus amigos poderosos, um conselheiro nacional de segurança na reforma, para descobrir o filho através da National Intelligence Agency, a versão nigeriana da CIA. Mas o novo director da agência não concordou com isso, afirmam funcionários no país.

"Ficou com a impressão de que estavam a usar o serviço para localizar o filho pródigo de um homem rico que se andava a divertir por aí", adianta um alto funcionário da segurança nigeriano. "Acho que não fez nada. Não tem qualquer ideia do que é o terrorismo."

Desde a prisão do filho, Mutallab tem permanecido longe dos olhares públicos. O pai "está extremamente preocupado", afirma Baba-Ahmed. "Toda a gente está preocupada."

1 comentário:

ABianchi disse...

Plágio do JRS?