sexta-feira, maio 25

História roubada a um amigo de Erasmus

Durante os meus 6 meses de Erasmus na Bélgica, conheci um brasileiro que morava na minha residência e que tinha feito a licenciatura em Oxford, estando na altura na Bélgica a fazer o mestrado em Biotecnologia.

Entretanto, completou os seus estudos e voltou a Brasil, onde penso que se encontra agora. Ele também tem um blog, que já não é actualizado há algum tempo, que tem posts deliciosos, e é exactamente um desses posts que aqui deixo, by Sergio de Alencar.


O japonês



É incrível como pessoas com histórias incríveis para nos contar passam muitas vezes despercebidas pelos nossos caminhos. Talvez por um low profile destas pessoas ou, muitas vezes, por causa da nossa infeliz capacidade de injustamente estereotipar os outros.


Como foi o caso quando conheci Schmidt, que estudava Física comigo. Pelo fato de não falar e entender bem o inglês e estar sempre rindo de tudo, até do que não era engraçado, considerava-o uma pessoa boba, sem graça. Além disso jamais se pronunciava nas aulas, passando boa parte do tempo girando habilidosamente seu lápis com os dedos. Certa vez o professor me disse que ele estava matriculado para estudar quatro A Levels em um ano e foi aí que, além de considerá-lo como bobo, passei a vê-lo também como louco.


Por incrível que pareça, Schmidt era um japonês. Acontece que muitos orientais que vão morar na Europa adotam nomes ocidentais para facilitar a pronúncia. Assim é comum encontrar uma Jessica de Xangai, Simon do Tókio, ou até mesmo Roberto da Singapura. Uma outra tarefa tão difícil quanto pronunciar o nome de um oriental é acertar sua idade. Conheci uma vez uma tailandesa que aparentava ter uns quinze anos de idade, mas que na realidade tinha vinte e seis. Schmidt parecia ter dezessete, mas tinha vinte e oito. Imaginei qual seria a reação das pessoas se os dois se casassem e chegassem de aliança e dois carrinhos de bebê em um restaurante no Brasil.


Antes de vir estudar na Inglaterra Schmidt era músico profissional, tocava na Philarmonica de Tókio, e conhecia mais sobre música brasileira erudita do que todos nossos avós juntos. Me apresentou pela primeira vez a Antonio Villa Lobos, Egberto Gismonti, e inúmeros outros, e sou muito grato por isso. Sabia tocar vários instrumentos musicais, e pude comprovar seu dom de músico ao escutá-lo tocar o violão. No entanto há alguns anos, Schmidt começou a sentir fortes dores no pulso direito quando tocava o violão, e procurou um médico. Foi diagnosticado um problema muscular que o impossibilitaria de tocar por muitas horas e vários dias seguidos. Assim sua carreira na Philarmonica japonesa foi bruscamente interrompida.


No entanto Schmidt tinha outros dons guardados os quais desconhecia. Forçado pelos pais a deixar o Japão e estudar na Inglaterra, fato que não consigo compreender, pois o Japão possui muitas universidades excelentes, ele decidiu buscar uma vaga em Arqueologia em Oxford. Detalhe, Schmidt não estudava há mais de dez anos, desde que havia iniciado carreira como músico.


Certa vez estávamos na biblioteca da escola fazendo a tarefa de casa, quando um grupo de russos chegou e se sentou a uma mesa ao lado. Não conseguíamos nos concentrar com o barulho vindo de lá, e após pedí-los várias vezes que fizessem menos barulho, Schmidt resolveu também se pronunciar, mas desta vez em russo, para minha surpresa. Ao perguntá-lo onde aprendeu, me disse que havia morado em uma pequena cidade no leste da Rússia, para onde foi com o objetivo de aprender esta complexa língua. Me disse que foi uma experiência dura, principalmente por ser japonês e por isso discriminado. Me dizia que às vezes gangues o levavam para florestas e o enchiam de pancadas, deixando-o caído por lá sem ninguém para ajudá-lo.


Apesar de todas as barreiras conseguiu três As e um B em Física, Matemática, Estatística e História e foi aceito por Oxford.Schmidt me deu várias lições de vida, a maior delas foi sua perseverança, sua vontade e força de superação em situações adversas. Sob forte pressão familiar, emocional, cultural, conseguiu absorver tudo isso e conseguiu um lugar na prestigiosa Oxford.


by Sérgio de Alencar

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